O meu primeiro bolo...
As cenas do Tico
By Tico himself
"O primeiro bolo"
Sou da opinião de que na aprendizagem da maior parte do conhecimento há que, necessáriamente, passar pela experiência.
Constroem-se assim bases sólidas de conhecimento para a vida fundamentadas no método tentativa e erro.
Dito isto - creio que começo agora a perceber porque é que as mulheres não nos querem na cozinha...
É que... não tem nada a ver com o deixar a cozinha apinhada de material e apetrechos de culinária que se usaram para tentar fazer algo. Repito - tentar - pois as coisas que tentamos fazer não saem necessáriamente como as vemos na cabeça ou como as vemos na fotografia que acompanha a receita.
Houve uma, ou antes - várias lições importantes que aprendi com esta experiência - fazer bolos demora o seu tempo. Quanto mais complicado o bolo mais tempo leva e mais empenho requer.
Ora, pegando neste conceito... um dia destes hei-de ir falar com o pessoal da Polaroid...
Epah, acho que daqui a vinte anos eles vão arranjar uma solução para o problema - um gajo selecciona o bolo que se quer e pufff - aí está um bolo de iogurte impecável com cobertura de chantilly e cereja.
- Cereja? mas eu queria com morangos!...
- Deixe ver... Não, aquilo são morangos mesmo... estão é um pouco desfocados. Experimente tirar com melhor resolução. E tente experimentar também seleccionar o tipo de papel correcto, neste caso um de qualidade fotográfica...
Ainda é dificil a um gajo fazer um bolo, man. Para mim ainda é difícil. Consigo atinar com algumas coisas mas a razão por que simplesmente não sai aquilo que quero, ainda não a alcancei. Sei que é uma questão de experiência, de continuar a tentar e tentar até finalmente chegar ao nível de qualidade aceitável. Ou seja - comestível e mínimamente agradável ao paladar...
E é sobre isto que quero falar, do meu primeiro bolo.
Eu disse bem - o meu primeiro bolo. Um bolo... Sim um bolo. O conceito bolo deduz em si próprio, a consistência e integridade físicas que o permitem tomar a forma da forma em que o levámos ao forno, e que mantém essa mesma integridade quando o tiramos da forma. É por essa razão que chamo a este processo que vos vou relatar como a feitura de um bolo. Porque saiu mais ou menos com a forma de bolo pois, a experiência antes desta, há uns bons anos atrás, deu algo entre um gelado e uma salada de frutas quando o que realmente estava a tentar fazer era um bolo... Bom, essa foi pa esquecer realmente.
Deixem-me proceder então, com o ponto que aqui me trouxe...
Há já várias semanas que eu andava a ser assolado pela ideia de querer testar-me na culinária. Mais especificamente em levar a cabo um bolo a sério.
Queria testar-me. Eu sabia que alguns pratos e receitas já eram do meu domínio. Estes vão desde ovos mexidos sem sabor a carvão até ao refinado e de que me orgulho sempre que o faço - esparguete com atum e natas. Man este então é do melhor que há. Um dia hei de convidar malta amiga p'ra vir testar este prato e ver se realmente tenho ou não razão em orgulhar-me desta receita. É que quando começamos a fazer as coisas sem precisar de cábulas ou medições é sinal que já dominamos a cena... (ou não?). Seja como for, esta confecção está claramente provada e sem falsas modéstias, que é do meu domínio.
Assim sendo, como gosto de desafios, decido pôr mãos à obra escolhendo dia e hora para tal feito.
Primeiro requisito - em todas estas experiências convém estar sozinho. Não tem de ser necessariamente assim com todas as experiências que se pretendam levar a cabo mas simplesmente, naquelas em que sabemos que podemos falhar redondamente convêm estar sozinho em casa para fazer desaparecer as provas caso sintamos realmente uma vergonha imensa. É por esta razão que eu ficava sempre danado nos trabalhos manuais da pré-primária - o que era suposto acabar num vaso para flores acabava sempre num cinzeiro... Pah é que era sempre!... Havia um caixa d'óculos que ria de caroço sempre que me via aquilo. O gajo acabou logo com essa mania assim que lhe disse que o pai natal não existia. Tinha uns 5 anos… Soube depois que chegou a casa e bateu nos pais... Enfim...
Ora bem, não tinha baunilha em pó para o bolo de yogurte, (ou pelo menos acho que não tinha porque o certo é que há uma série de pós e farinhas na dispensa da minha mãe que não estão rotulados), maneiras que vai de fazer um bolo de chocolate. Posso desde já dizer que eram as únicas opções disponíveis pois para seguir uma receita de culinária, tenho eu que a escrever, senão não percebo nada. E de momento só tenho essas duas.
As minhas receitas são muita loucas, são assim... especificadas, ou seja - o que para a comum e habituada cozinheira é o conceito claras em castelo, para mim é algo tipo:
- ...Claras em castelo - Separar as claras das gemas, deitar numa cena de plástico e bater com a máquina que tem aquilo a girar até ficar em espuma...
No meio disto tudo há um conceito que não preciso de especificar pois já sei o que significa - bater...
Vamos dispor então, os ingredientes necessários no balcão da cozinha:
- uma chávena de chocolate
- uma " de farinha
- uma " de óleo
- uma " de água quente
- uma " de açucar
- uma colher de fermento
- margarina
- leite
Ok, primeira dúvida: de que chávena se trata? Deduzi que fosse uma de pequeno almoço.
Fui à procura de uma chávena daquelas de pequeno almoço e não encontrei nenhuma. Deduzi que pudesse usar uma caneca.
Não sei quantas gajas que sabem fazer bolos aí desse lado já se estão a rir à parva. Mas acreditem que fiz tudo com boas intenções e com o mínimo de seriedade. Tá bem que desatei a rir com a cena do ovo (que supostamente nem sequer entra na receita...), mas de resto fiz tudo com a seriedade que o momento merecia.
Procuro então uma taça para deitar os ingredientes. Descubro que é melhor dar uso ao próprio... (eu não sei como é que aquilo se chama pah...)... a cena da batedeira Kenwood.
Deito o açucar, deito a farinha, deito o chocolate, deito... o óleo?
Onde é que tá o óleo?(Caso não saibam foi assim que nasceu aquele célebre personagem dos livros: "Onde está o Wally"...)
Não tinha óleo, man... Fui à dispensa ver se havia óleo mas parece que não. Porra, era dificil tar a separar o açucar da farinha caso eu quisesse desistir agora...
Mas espera!... A fritadeira... A fritadeira tem óleo!
Ok, tá usado mas ainda deve tar bom. Além disso ainda vai ser misturado com outras cenas... Não deve haver problema.
Estava um pouco escuro, e tinha bocados de rissol e chamuça que eu consegui ver atravéz da caneca de vidro que usei para medir tudo.
Vai de deitar no coiso da batedeira também.
Começo então a bater a mistela.
Dava a sensação de que estava a fazer tudo bem mas, não sei porquê, decidi rever a receita. A água quente...
Enquanto a água aquecia no microondas, fui batendo mais. Estava agora uma papa espessa e inequivocamente alérgica. Eu, que começo a espirrar quando como algo de chocolate, não precisava agora de provar a mistela. Só do cheiro já estava com o nariz a latejar.
Decido pôr a batedeira a trabalhar. A velocidade estava certa para a consistência que a massa assumia. Até lhe deitar a água...
Não posso garantir que o tecto não ficou salpicado, mas a parede branca, o meu polo e os meus corsários garantem-no sem qualquer sombra de dúvida...
Evidentemente, tive de baixar logo a rotação das pás, o que resolveu o assunto.
Achei que o que já lá estava na batedeira estava bem misturado, ignorando completamente se tinha juntado os ingredientes na ordem correcta... Mas achei que era hora de juntar o fermento.
Com a máquina sempre a trabalhar, fui buscar o fermento.
(Naquela altura...) Tinha ideia que a farinha Maisena era fermento, e assim a usei... Uma colher de fermento para dentro da batedeira. Mas teria feito bem? Não tinha posto exactamente no meio da mistura. Assim, vou de tentar raspar com um raspador de plástico, a parede do recipiente da batedeira, ainda com a batedeira a trabalhar...
Man - Não fosse o raspador - de plástico, ainda hoje estaria espetado um palmo acima do fogão, na parede de azulejo branco...
Mais um minuto a bater, e achei que a mistura não estava com a consistência que devia ter.
O que se deve fazer então para tornar a massa mais pastosa? Adiciona-se farinha.
Desta vez desliguei a máquina, levantei-lhe o braço mecânico e deitei a farinha a olho, aquela que achei suficiente para tornar a mistura mais espessa.
- Bem, acho que é tudo por agora - disse para mim - vou deixar isto a trabalhar devagar e besuntar a forma com margarina.
Não sei porquê sempre curti esta parte. Creio que é o que faço melhor no meio disto tudo. Deve vir da experiência de ter de barrar os cilindros do motor do Mini com óleo quando lhe tenho de mudar a junta.
Por aquilo que costumo ver fazer a minha mãe, estava em crer que tinha posto margarina suficiente.
Vai de deitar então a papa achocolatada na forma.
Epah... Deu gosto ver aquilo a escorrer. Pensava eu que ia sair dali um bolo enorme, belo e consistente.
Ok, a primeira parte já está. Agora basta apenas meter no forno, que ainda não estava aquecido.
- 240 graus durante uns 40 minutos deve chegar. Vamos lá tratar da cobertura... Vá lá ber: cobertura de chocolate - margarina, açucar, chocolate e leite. Ok, não deve ser difícil...
Eu disse que não devia ser difícil pois creio ser como o cimento - se um gajo vê que tá demasiado liquido, mete mais areia, se vê que tá demasiado pastoso mete mais água. Se vir que a pasta está a caír das paredes... chama-se um trolha para acabar o serviço...
Mas vá - mando um pouco de açúcar, mando uns 100 gramas de margarina, uma meia caneca de leite, e o chocolate.
Não sei porquê, aquilo não misturava muito bem.
Creio que se se tratasse de cimento, a margarina estava a comportar-se não como um torrão de areia de todo o tamanho que não se dissolvia por nada, mas sim como um padragu... um basalto que Deus ma libre, a fazer mossa na betoneira a gasóleo!...
E eu pensei pa mim:
- Ó Tico, então pensa lá o que é que tu fazes para tornar a manteiga mais fácil de barrar nas torradas?
É que a cena das torradas é um curtido. Eu não sei qual é a vossa experiência com manteigas, mas a minha vem desde pequeno, e acreditem quando digo - muito pequeno. É que as manteigas em barras, as de hoje em dia, pelo menos, são duras! (Devem ser feitas com posters da Samantha Fox nas paredes da fábrica...)
Aquela cena... epah: vocês têm uma torrada de pão de carcaça, vão pôr a manteira de de barra na torrada, e o que acontece é que o mais certo é estraçalhar a torrada antes de conseguirem sequer que a manteiga adira à torrada.
As saudades que tenho da manteiga Planta, por ser muito suave e pastosa, fácil de barrar. E na sua ausência, aprendi uns métodos bem porreiros para fazer as vulgares manteigas em barra mais suaves. Ao principio era pôr a manteigueira por cima da própria torradeira, enquanto se faziam as torradas. Vim a descobrir as diferenças entre plásticos termomoldáveis e cerâmica...
Outro método, e o que aconselho vivamente, é o meter a manteigueira uns 15 a 25 segundos no microondas. Mais do que isso, e têm de servir-se da manteiga com um copo...
Aí estava a solução - tinha de derreter a margarina.
Mas nesta altura já estava toda suja com o chocolate e espalhada em vários bocados... Olha, vai de meter toda a cena da batedeira dentro do microondas.
Dois minutos devem ser suficientes.
Enquanto aquilo derretia, tentei ver se o bolo crescia dentro do forno. Ainda não.
- Ok, tens tempo.
Quando tiro o balde ou o recipiente ou... que porra - aquela cena da batedeira - descubro que a margarina não só não tinha desaparecido por completo, fundindo-se com a mistela liquidificada, como se tinha espalhado em mil pequenos pedaços.
Ao ver aquilo, fiquei eu como esperava que a margarina tivesse ficado:..."fundido"...
Decidi juntar mais chocolate, a ver se tornava aquilo mais pastoso.
Não resultou.
Decido então tirar um pouco do liquido, vazando-o para a caneca sagrada. O santo gral, vamos lá.
Deitando mais chocolate, vi que realmente estava a resultar, estava a ficar em forma e papa. Essa constatação foi logo a seguir à sessão de espirros pelo aroma do chocolate no ar...
No entanto ainda não era suficiente. Teria de juntar algo para tal.
Farinha? Usa-se farinha na cobertura? É melhor não experimentar...
Ovos? Hum... Creio que não faz mal experimentar um.
Consegui separar a gema das claras sem a desfazer. E fiquei feliz com isso. Não caí no erro de desaproveitar as claras, pelo que as deitei num frasco que havia no frigorífico para o efeito.
E assim vai de deitar a gema na porra da cena da batedeira que ainda não sei o nome.
(Se alguém aí desse lado souber, escrevam a dizer, ok?)
Bem... Deixei-me contar-vos o percurso da gema de ovo...
Supostamente ciente do que estava a fazer, deitei a gema naquela cena.
Ao que parece, a pá da batedeira apanhou-a a jeito... Man, eu não tinha feito muita merda há pouco tempo. Eu até me estava a portar bem. Por que razão estaria a ser castigado desta maneira? A sério... Eu tou a curtir uma e uma só nina, eu tou a tentar compor a minha bida, tou a ver se deixo as asneiradas, e tou a fazer windsurf muito melhor que antes sem sequer insultar Deus e os quatro ventos... A sério, estava a correr bem.
Mas vamos lá ver, eu preciso que tenham agora uma boa capacidade de imaginação, vamos fazer outra vez uma daquelas cenas em câmara lenta que costumo fazer:
- Deito a gema para aquela cena pela borda (não estejam preocupados em saber o nome do raio da peça e imaginem uma porra duma tigela de plástico branca do lado de fora, e castanho-bosta do lado de dentro); A gema é apanhada por uma das pás; leva uma sapa do caraças e não só consegue não se desfazer como desafia a gravidade ao descrever um arco perfeito... indo espetar-se na mesma merda de sitio onde o raspador tinha batido, que eu tinha andado a limpar minutos atrás!...
Enfim... só treta...
Adiantando-me no tempo, como fazem os cozinheiros na televisão, vamos ver como está o meu bolo já no fim do tempo - no fim da dilatação, digamos assim...
Tiro o bolo, e vejo que não tá assim tão mau como parece. Tá é mais escuro na extremidade que no centro e, vá lá, consegui fazer um bolo que cresceu pouco mais de 2 cm de altura, na parte mais alta...
Vamos tentar tirar o bolo da forma, então.
Isto é importante - tirar o bolo da forma. O pessoal da Lua de Mel sabe o que é que tá a fazer. Os bolos são bonitos é fora da forma, apresentados ao público nas vitrinas e com enfeites. Se quisessem poupar tempo, serviam os bolos da própria forma!... Eu não tinha bem essa preocupação. Não ía expôr o bolo numa vitrine. Mesmo assim tento tirá-lo e... vejo que seria mais fácil tirar um prisioneiro da Cadeia de Vale de Judeus que tirar este bolo dali sem o estragar...
Ok, não vale a pena tentar mais. O raio do bolo não sai mesmo. Acreditem que tentei tudo. Deste dilatar a forma em todos os sentidos, a despegá-lo das paredes com uma faca, ou bater no fundo com a forma ao contrário.
Nada...
Nada o tirava dali e parece que por ali ía ficar até a última alma caridosa raspar a última fatia.
- Mas espera, ainda falta a cobertura...
Vai de deitar a pasta mais liquida que própriamente papa, em cima do bolo, ainda dentro da forma.
Man... Aquilo era um bolo, eu sei que até não estava muito mau. Estava comestível... Até eu decidir pôr a cobertura. Até era capaz de ser comestivel se ao menos tivesse posto apenas um pouco da cobertura. Mas boca... Vai de gastar tudo o que tava na cena da batedeira. (Alguém aí já sabe o nome daquilo?...)
Bem, após uma breve sessão de fotos para provar que passei mesmo por tudo isto, ficava mal se não servisse de primeira cobaia para testar o primeiro "Bolo-Mousse de Chocolate" que alguma vez fizera.
Realmente, era como pensava por dentro - haviam partes que não tinha sido demolhadas pelo viscoso liquido amargamente achocolatado que realmente estavam boas. Mas essas partes representavam tão-somente uns escassos 5 a 10% de todo o bolo.
No fim de tudo, lá tentei arrumar a cozinha. Não pude deixar de me sentir um pouco de frustração mas porém, também sentia uma certa dose de aprendisagem. Sabia que tinha sido a primeira vez, e que muito pessoal já devia ter passado por isto também.
Prometo continuar a lutar, prometo continuar a tentar e prometo tentar ser tão bom a fazer bolos como a... a... sei lá mas prometo!... =)
Tico
7.4.05
18h03
1 Comments:
hahaha, ri muito!
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