quinta-feira, agosto 11, 2005

"A cena de Cascais" - The wind' session's reports

Eu até andava desconfiado… Para o "gajo" me andar a poupar durante tanto tempo, tirando as lesões no pé do jogo de futebol de praia com o pessoal da Decathlon, era porque tinha uma forte preparada para mim. E esta posso dizer que foi uma "cena a sério".
Por "cena a sério", e fazendo atenção de que se trata duma cena do mar, é óbvio que pode chegar a envolver a Policia Marítima... mais uma vez...
Felizmente, e se estão a ler estas palavras, é porque acabou tudo em bem.

"Porquê então, dar-me ao trabalho de ler esta porra toda só para saber o que aconteceu a este ardeume?..."

Porque não? Por que não perder um pouco de tempo a saber novidades dum amigo deste modo? Por que não ter uma noção do que envolve a prática de windsurf, dos riscos e também do prazer e evolução pessoal que podemos ter?
Porque não estar atento e ver de que forma o Tico vai articular o texto de forma a tornar uma "cena" destas interessante e com algum humor pelo meio?...







Tico apresenta:



















"A cena de Cascais"

The wind' session’s reports





A disposição era grande. Apesar do aperto que mais uma vez o meu coração sentia por razões que não dizem aqui respeito, conseguia ter capacidade para alienar-me de tudo isso e tentar ter um bom desempenho em mais uma sessão de wind' ao largo de Cascais.
Uma das melhores coisas que tem a prática deste desporto é essa mesma alienação dos problemas que nos assolam a alma. Não diria tanto que a certa altura se torna um vício mas sim, uma actividade necessária de vez em quando.
Lembro-me bem da última vez que tive aqui uma "wind' session", sem ser a da semana passada, com direito a companhia e tudo. Antes disso não cá vinha desde, se não estou em erro, desde os 42 nós na Lagoa de Albufeira, com a antiga Explosion 120 L, famosa companheira de aventuras... (Ver "O senhor dos cordéis - O regresso do que eu cá sei").
Percebi que tinha de arranjar uma nova prancha, com mais flutuação, mais estabilidade, mais moderna. Tinha de o fazer pois percebi que estava a desaprender aquilo que tinha aprendido até então seguindo algumas dicas de pessoal mais experiente mas sobretudo, fruto de uma atitude pessoal autodidacta.
A verdade é que a aquisição deste novo material me motivou bastante fazendo-me não só recuperar o gosto e a sensação de relativa facilidade com que se pode navegar como também ter realmente a noção do que deve ser feito além da evolução técnica francamente sentida.
Muitos podem não achar muita diferença entre uma 120 l e uma 135 l. Quem não conhece o mundo do wind' pode dizer isso...
Passar duma Mistral Explosion de '95, com 120 litros de volume, 288 cm de comprimento e 58 cm de largura para uma Bic Techno Evo Large de 2002, com 135 l de volume, 260 de comprido e 69 de largura é realmente uma grande evolução.
Chego mesmo a pôr em dúvida, agora que tenho cerca de meio ano de experiência mais intensa com esta prancha, se devia realmente "despachar" a puro-sangue. Tenho a certeza de que teria melhor desempenho agora que estou mais forte e mais consciente dos passos técnicos que devem ser feitos ainda que não os domine totalmente.
Mas em que estou em falta afinal?

– … Olha cara, tu tem um bom domínio da vela, e me impressiona como você consegue aguentar a vela sem o arnês. Mas eu sei que tu consegue usar o arnês que a gente aqui já viu perfeitamente. Mas tu não vai gozar realmente o windsurf enquanto tu não puser os pés nos footstraps. Tu tem que pôr cara, senão nunca vai evoluir...

O Adriano conseguia ser também, além dum bom companheiro de folia, um bom mentor.
Mas sim... Era algo que ansiava à muito tempo. Apenas há pouco tinha começado a tirar partido do uso do arnês, a ter a brutal sensação de velocidade e, ainda por cima, no mar de Carcavelos.
Sabia que o engate dos pés nos footstraps era, além duma questão de coragem, uma questão de vontade pois a posição em que os punha não andava muito longe dos encaixes.
Tinha que ser neste dia! Tinha que combater os meus hábitos e manias e forçar-me a usar, duma vez, os pés nos footstraps.
Talvez aquilo que eu veja como comparação a esta situação seja a introdução do cinto de segurança nos automóveis por volta dos anos 50, se bem que em 70 ainda havia pessoas que tinham o atrevimento ou a ignorância de dizer que não usariam o cinto de segurança para, no caso dum acidente, se poderem libertar antes do carro explodir...
Não sei se se aplica totalmente ao meu caso, uma vez que tenho, perdão – tinha – receio de partir os tornozelos numa queda violenta por não conseguir tirar os pés dos footstraps.

Mas vamos por partes.
Confiando no que o Jorge me tinha dito, e caindo no erro de não ligar ao vento que fazia ao sair de casa, levei apenas as velas grandes, ou seja - a Naish Mana 6.8, e a North Sails Zoom 8. Isto a pensar, muito sinceramente, que ia estar pouco vento, e/ou que a brisa que se fazia sentir ia acabar dali a uma hora, algo do género.
Assim sendo, fiz-me à estrada no Patinhas.
Entrando na marginal, foi ao passar pelas bandeiras fustigadas em S. Pedro que vi que algo estava errado. As previsões não estavam certas ou teria confiado demais nas "previsões" do pessoal?
Continuei... Não foi tanto o decidir não ligar ao vento que fazia, mas antes o decidir a ter que me obrigar a habituar-me a velas maiores ainda que com vento forte. Ainda para mais, estava já com pouco tempo. Apesar de apenas ter saído do trabalho à cerca de hora e meia, tempo médio para chegar a casa, preparar tudo e comer qualquer coisa leve, já eram umas três da tarde.
Recordo que estavam 33 graus. Felizmente não apanhei trânsito. A essa hora já todos estavam na praia. No entanto, isso significava também que caótico, iria ser o mínimo a dizer sobre o estacionamento. E então na zona do Palm Beach. Numa rua sem saída, é óbvio que a criatividade, necessidade e um carro pequeno fazem a diferença...
O Patinhas tem dado um grande jeito. Não posso estar mais orgulhoso de tão boa compra. Dou também todos os créditos ao meu tio Manel que propôs o negócio. Sem aprofundar muito a explicação, digamos apenas que o carro veio para mim... "abençoado".

Ok – Patinhas... porquê?
Bem, de todos os nomes em que ia pensando enquanto procedia ao tratamento do carro para uma repintura necessária e oportuna, foi aquele que melhor soou e que conseguiu ter a melhor conotação metafórica.
Senão vejamos:
– Em primeiro lugar, uma família que encontra muita inspiração em Walt Disney. Temos assim, o caso do meu irmão Mickey, da minha irmã Margarida, da Vovó Donalda, dum primo Tarzan... e de mim... o Tio Patinhas... Não é tanto pelo jeito forreta de algumas vezes, mas mais pelo carácter poupador.
– Em segundo lugar, temos o orçamento para este trabalho de restauro em que, com a ajuda de um grande amigo e do seu pai, conseguimos fazer um trabalho que numa oficina não fariam por menos de € 750 a custar apenas uns € 70... Algo que lembra as manhas do Tio Patinhas nas histórias de quadradinhos.
– Por último, por honra aos anfitriões onde decorreu o restauro, por terem mostrado total disponibilidade e generosidade durante a semana e três dias em que o carro lá ficou, e à mascote de quatro patas da casa, o Patinhas.
Muito me vinha cheirar o gajo... Não foram nem uma nem duas as vezes que o raça do cão agarrava num bloco de lixa e o levava à surrapa para ver se ia brincar com ele. Deu também para ver que, apesar das "tendências" que poderá ter face a novas caras (ou pernas...) que lá vão aparecendo em casa, é um bom companheiro.

– Pah... Mas isto tá uma borrasca do caraças, man... – Dizia para mim mesmo ao passar em frente ao Casino do Estoril.
Ao começar a descer a recta do Estoril Sol, deu para ver que estava pessoal na água, bem perto do antigo tribunal. Deviam estar a voltar. Não conseguia distinguir, mas julgava serem o Jorge e o Paulo.
Estacionar o carro até nem foi um grande acto de bravura. Foi mais de criatividade e atrevimento do que bravura mas nem irei contar pormenores...
Pensava conseguir visualizá-los à distância, que iam estar no local habitual.
Estavam mais à frente no bar inglês. Ali é o local próprio para se montar todo o rig durante o verão, em que a praia está infernalmente cheia. Este era um desses dias.
– Olha quem é ele... Atão, tava a ver que nunca mais aparecias...
– Pah, só sai a cerca de hora e meia da Decathlon meu. Olha, com que então: "ah e tal – vai tar vento fraco", né?...
– Pah, o vento rondou. Afinal está muito mais forte. Mas olha isto é coisa pouca. E também digo-te se aguentaste a cena de domingo passado, já estás habituado. Só tens é menos espaço porque como podes ver, a praia está cheia. Mas olha, faz assim, traz o teu material para aqui que a malta ajuda a montar.
– Epah, mas são montes de cenas, e ainda por cima trouxe também a Explosion... Vou fazer assim, vou lá montar o material na boa e depois com cuidado ou com ajuda levo as cenas aqui para esta zona das gaivotas.
– Ok, então vai lá que a malta tá aqui à tua espera.
Quando esta está em cima da Bic, é aí que se podem notar visivelmente as brutais diferenças que cerca de sete ou oito anos de evolução podem distanciar uma prancha da outra.

Enquanto desembrulhava a 6.8, recordações duma "wind' session" na praia de Carcavelos recente, como que me preparava para o que ia ter de enfrentar neste dia. Dores de costas, ombros emperrados, mãos calejadas e duras como quando no tempo do Estou Para Ver esperavam-me com toda a certeza.
Nessa sessão em Carcavelos, há cerca de umas semanas, perseguia o mesmo objectivo. Simplesmente não tinha a motivação suficiente ou os conselhos e o apoio de pessoal mais experiente para despertar em mim essa segurança e essa fúria de querer evoluir.
Era o único ali. Tinha tido a audácia, diria mesmo, o descaramento de levar o carro até ali, por baixo do Baródia. Não sei se haveria problema caso aparecessem os Cabos do Mar ou a Polícia. Mas creio que as circunstâncias eram no mínimo, compreensíveis.
A vela é enorme. Se bem que haja muito maiores, cerca de cinco metros de altura fazem desta uma vela imponente. Sei que há muito maiores mas é algo que sobressai no meio de uma multidão ou quando isolada.
As pessoas ficam sempre cativadas a ver uma vela a ser montada. Muitas não conseguem compreender as razões que nos levam a tal esforço nem do tempo dispendido de cada vez que é para montar uma vela com cambers. Esta Naish tem três e não é, repito – não é a vela mais difícil de montar. Vá lá, consegui encontrar uma maneira infalível para a montar em que consiste em ir controlando os cambers com um braço à medida que vou caçando a vela com o outro. É algo que puxa um pouco pela imaginação e ombros.

Demorando cerca de quinze a vinte minutos a montar tudo, e já com as duas pranchas na areia em local seguro, era agora altura de carregar a vela até ao mesmo sítio. Com alguma delicadeza e destreza conseguiria fazê-lo sozinho. E assim foi.
É algo engraçado... Eu tenho a impressão de que sou capaz de ver se realmente emagreci ou se engordei... através dos meus calções de banho.
A sério – se me estiverem quase a cair, é porque tenho andado a praticar desporto regularmente e perdi aí uns dois ou três quilos. Se me estiverem bem, é mau sinal...
E a verdade é que carregando a vela à cabeça, segurando a retranca com as duas mãos, creio que a cintura fica ainda mais delgada, o que faz descer ainda mais os calções. Pah... dito isto, creio que se começa a perceber o que acontece. Desta maneira, temos um gajo a carregar uma vela pela praia, lingrinhas, apenas com uns calções na ténue fronteira entre o civilizadamente aceitável e o natural modo como veio ao mundo.

Bem, a verdade é que aguentaram, e logo após ter arrumado o carro no fundo da rampa de acesso, pus-me a caminho do bar para ir ter com o pessoal.

– Eles tão à tua espera, cara. Aliás, já saíram. Olha eles lá?...

– Ok... "Vemo-nos no mar" – Uma frase sempre presente no início de cada sessão que me acompanha desde há uns largos meses.
Não foi difícil sair, estava um bom vento e aguentar uma popa até meio da baía não deu muita luta. Lá fiz uns bordos com o Paulo e o Jorge em frente à baía mas nada puxado, sem qualquer problema. O único senão eram os calções que, uma vez molhados… tinham uma certa tendência para mostrar mais do que as pessoas estariam dispostas a ver...
Aproveitando a volta do pessoal a terra, quis também voltar e vestir o fato para poder estar mais à vontade e aguentar mais tempo dentro de água.

– Cara, não vai ter vento. Tu não vai andar nada. Isso aí é coisa pouca. Mas olha tu não vai é pra lá da marina nem pró Estoril. Fica só andando aqui numa fria.

Passando pelo Adriano e escutando com atenção todos os seus conselhos, era a vez de ir despedir do pessoal e escutar com igual atenção o que tinham a dizer.

Disse o Jorge no seu tom de constante folião:

– ... Opah eu tou-te a dizer... xiiii olha pa isto... é tudo bom... tudo bom... Mas tava-te a dizer: opah, tu se daqui a um mês não estiveres a usar os pés nos footstraps vais ser achincalhado aqui à frente da malta e vou-te tirar essas luvas, pah!... Vais ter de cair montes de vezes, mas tu sabes que tás lá, apenas precisas de enfiar a porra dos pés na porra dos footstraps...

O Jorge é castiço e sempre bem-humorado. Além dos bons conselhos que vai dando à malta quanto a windsurf, tem duas frases bem típicas que o caracterizam e que valem a pena aprender e memorizar: "... É tudo bom... Tudo bom..." e "... Ao mais alto nível..."

Aí estava eu de novo, preparado para o que desse e viesse. Tinha que ser agora, tinha que ser hoje.
Olhando o horizonte, senti o vento. Dava-me nas costas, mais do lado esquerdo, o que significava vento de nordeste. Aperto melhor o lenço vermelho que me acompanha há bastante tempo.
Com a prancha em água pelo joelho e do meu lado direito, ergui a vela sobre a cabeça, aproando-a ao vento.
Respiro fundo, fecho os olhos por um momento e sinto o vento que se mostrava mais forte desde há cerca de quinze minutos, e arranco num bordo directo até a meio da baía.

Este é um momento sempre agradável a qualquer velejador, sempre cheio de emoção. O característico burburinho de praia cheia desaparece suavemente e dá lugar ao deslizar da prancha sobre a água onde muitos encontram paz para reflectir e descansar, para desfrutar dum passeio, para competir.
Seria o começo de uma viagem sem fim? O fim de um "rookie"?
Nem uma coisa nem outra. Não era o fim de um rookie pois sabia que mesmo que enfiasse os pés nos ditos, o processo ainda ia requerer mais prática até se tornar instintivo, nem ia ser o começo duma viagem sem fim pois apeado no mar, sem material partido é que não ficaria. A experiência, os jogos de equilíbrio aqui em Cascais e S. Pedro com a Explosion, e a potência do vento em Valada e Carcavelos bem como, a melhor preparação física e técnica permitiam-me estar seguro disso mesmo, se bem que saiba de histórias de pessoal muito mais experiente que tenha passado a noite no mar...

É engraçado que muitas vezes tenho músicas que me acompanham mentalmente e que caracterizam certas épocas ao longo da minha vida. Muitas delas costumo cantarolar quando estou em cima da prancha.
– (Como é a música mesmo?... Tan... nan... nan... Fogo pah!... Tenho de saber o resto da música. Sei que aquilo é do anúncio da Optimus mas tem de ter um título, tal como se passou com os "Mew - Conforting sounds").

Ficando-me à frente da praia, faço um bordo do meio da baía, à frente do antigo tribunal, até quase ao pontão dos pescadores. Serviu apenas para testar o vento. Não está assim tão forte nem tão pouco certo. Está irregular e quebra. Algo que começo a reconhecer característico aqui no mar de Cascais.
À medida que vou navegando mais para fora, sinto o vento que já começa a estar mais forte e sinto-me tentado a recuar mais na prancha. Nos próximos bordos enfrento o dilema que não me permite enfiar os pés nos footstraps.
Nessa altura, bem vivas tenho as vozes do Adriano e do Jorge:

– Nesta primeira fase tu enfia só o pé da frente. Deixa o outro atrás. Tens que perceber que não podes recuar rapidamente senão ela vai afundar. Vai devagar sem levantar o pé da prancha ou se o fizer tem que ser muito rápido.

Pela experiência e à vontade que vou ganhando no windsurf, consigo antever a força com que a refrega vem e assim preparar-me para tal, recuando um pouco, abrindo a vela, e flectindo os braços e pernas.
Essas sensações vão sendo cada vez mais instintivas. Agora era um desses momentos.
A água que a uns metros estava suave e pouco ondulada, torna-se encrespada e escura, sinónimo de vento forte. Sabia que entraria nessa área daí a uns segundos por isso tinha que me preparar.
Mal entro na rajada, sou obrigado a abrir um pouco a vela para não ser catapultado para a frente. Esse momento de cerca de um segundo dá-me tempo para estudar a força da refrega e posicionar-me melhor. Vou então um pouco mais para trás e começo a fechar a vela com o aumento de velocidade por consequência.
Aqui está o meu problema. Ainda não estou habituado a controlar a prancha a alta velocidade mas sei que é uma coisa básica, que chego lá com o tempo e prática. É um grande jogo de pernas, braços e massa corporal em que tenho de conjugar estes três factores constantemente.
Para uma base de visualização, o braço da frente (aquele que segura a retranca mais perto do mastro), deve estar com o cotovelo encostado à cintura enquanto que o de trás controla a intensidade com que o vento bate na vela, abrindo-a se estiver muito forte e fechando-a quando fraco.
A posição e "atitude" corporal de maneira a garantir o equilíbrio a todo o tempo, que é das regras mais básicas no windsurf, é um factor de constante alerta, ao mesmo tempo que temos de estar atentos ao que fazem os pés, sem os ver pois, temos de olhar para a frente enquanto partimos e atingimos grande velocidade.
E que velocidade... O pessoal que não faz windsurf não faz ideia do que é estar em cima duma prancha a 30 km/h ou mais. É uma sensação tão formidável quanto perigosa. Formidável porque uma vez que se saiba o que tem de ser feito e quando se o sabe fazer, tudo se torna fácil. Perigoso pois a essa velocidade, se algo correr mal numa queda, as probabilidades de sairmos ilesos não são menos dos que as de sairmos magoados. Pode também significar ficarmos sem solução de retorno uma vez partido o mastro, um cabo ou algo semelhante.
Posso estar habituado com Alana 5.75, mas não com a Mana 6.8. A velocidade é pura e simplesmente estonteante e é óbvio que a queda é eminente se se olhar para os pés tempo demais.
Dito e feito, perco o controle e caio uns metros à frente por não conseguir soltar o arnês a tempo.
Uma coisa que aprendi e recomendo a todos os que não o fazem é, na medida do possível, nunca largar a retranca numa queda. Assim não correm o risco desta, ou o mastro, acertar em qualquer parte do corpo, nem deixam que o gancho do arnês trespasse o monofilme da vela. Para além de que podem ter a hipótese de serem içados para fora de água, dominando a técnica de waterstart.
Igualmente, não se deve olhar para o que fazem os pés mas sim, ter a noção da posição deles em relação à prancha e aos footstraps. O olhar deve estar focado para a frente, para o rumo a tomar.

Bem, não vos posso fazer sentir a dor ou a energia gasta para tirar esta vela da água nem vou descrever o processo pois creio já o ter feito em textos anteriores. A vela, que já é pesada seca, torna-se um pesadelo na altura de a içar para fora de água. A título de referência, digo apenas que custa bastante e ao fim do dia, se as nossas costas pudessem falar, exigiriam um sindicato e não nos deixariam dormir até tal... (Mas é impressão minha ou é isso que fazem as miúdas quando querem algo da gente?...)
De novo com a retranca na mão, repete-se o processo mas agora já ao largo, "depois do catamaran". Isto quer dizer tão-somente isto: que a p... do vento é forte pa caroço! Apesar de forte, não é certo, ou seja, vem em rajadas irregulares.
O que se traduz desta situação é um mar mais encrespado tornando o equilíbrio mais difícil. Rumando um pouco para fora para não partir numa bolina cerrada, começo a arrancar de novo.

– Estou a afastar-me... Tenho de bolinar um pouco mais para dentro. Lá, vou sentir-me mais seguro.

Seguindo outra vez das palavras do Adriano, numa lição da semana anterior, vou a caminho do Estoril ou Azarujinha.
No trajecto ainda consigo aproveitar para treinar outra vez o uso dos ‘straps.
Cada tentativa acabava em frustração pedagógica, na medida em que aprendia aquilo que devia não fazer.
Ao mesmo tempo, a tendência que as velas têm para orçar, ou seja, para de onde o vento vem, obrigava-me aquela torção típica no wind em que inclinamos a vela para a frente, corpo para trás, pé da frente à frente do mastro (podendo mesmo afundar um pouco a proa) e, enquanto a mão de trás fecha a vela, o pé de trás ajuda também à rotação da prancha.
Eram agora umas seis da tarde e o vento fresco que sentia em Cascais era fortíssimo à frente do casino, como tinha visto no caminho.
O que acontece é que o terreno ali na zona do Estoril forma um vale em que o vento praticamente não apanha quaisquer obstruções ao seu avanço. Assim, encontramos um vento limpo e forte apesar de ter um senão muito grave – expande-se. Tende a alastrar-se pela superfície da água em vez de soprar numa só direcção. Para ultrapassar isto no windsurf é preciso "apenas" ter uma enorme força de braços (mesmo com o uso do arnês), ombros largos, destreza de pernas, coordenação de movimentos bem como uma boa leitura da água e do vento.
Com o vento a soprar em direcções diferentes, tinha que bolinar ora para Este o suficiente para apanhar a que vinha de Nordeste ora para Nordeste para apanhar o de Norte.
Isto obriga-me muitas vezes àquela referida torção muitas vezes insuportável da prancha e vela para ter que ir para onde eu quero e não para onde o vento me quer levar.
Ainda usava o arnês a maior parte do tempo, mas a torção que tinha de fazer obrigava-me muitas vezes a ter que o desenganchar.
O avanço que ganhava na bolina perdia-o em quedas que resultavam ou de fadiga muscular, ou de vento subitamente contrário, ou de não conseguir tirar o arnês a tempo.
E queda após queda, o corpo começa a ressentir-se pesadamente tornando uma tortura qualquer movimento.
Felizmente, era mais a distância que percorria contra o vento do que a que perdia nessas quedas. Estava em frente ao pontão, mas ainda afastado cerca de 400 metros da praia. Era agora hora de voltar numa bolina folgada, supostamente num bordo directo até ao Palm Beach.
Mais uma vez apanharia a ventosga mesmo em frente ao casino. Ainda caí incontáveis vezes para sair desse largo até conseguir fazer distâncias medianas a uma velocidade incrível. Tentava vezes sem conta o uso dos footstraps. Umas vezes davam, outra não. Numa das quedas bati com o traseiro no nose, algo que se ressentiria uma ou duas semanas mais tarde.
Chegava finalmente à baía de Cascais novamente. No entanto, não estava mais perto da costa. As sucessivas quedas tinham-me arrastado ainda mais.
Começava mesmo a pensar que não ia conseguir voltar ao Palm Beach, de onde tinha saído.
Preocupado mais com a minha situação, não via o pessoal que ficara na praia que, agora no paredão a tentava dar-me indicações para que me dirigisse para a marina.
E era isso que estava a pensar precisamente.
Não vos posso garantir a força do vento mas apenas dizer que era descomunal. Buscando memórias de sessões de wind’ anteriores, posso garantir que este vento rondava os 19 a 25 nós, se não mesmo mais...

– Mas que raio?!... Este pessoal da recepção da marina também não vê que estou em dificuldades?!...

Não sabia mas, ao domingo devem sair mais cedo ou então simplesmente, já tinha passado a hora de expediente. Isso significava tão-só que já passava das sete da tarde.
Seria mesmo a minha última opção?
Ainda tentei bolinar um pouco mais para dentro, num bordo mais cerrado, rumando para o tribunal ou hotel Estoril Sol.
Nada feito. Era impossível aguentar a mareta e a torção que tinha de fazer.
Não conseguia perceber o que me impedia de bolinar a sério. Sabia apenas que não conseguia aguentar o pouco avanço e as sucessivas refregas com aquela vela.
Tinha mesmo que ser – o cais de embarque de grandes iates era realmente a opção mais correcta.
Mais uma mudança de bordo falhada, mais um içar custoso, e fazia agora os últimos metros do dia.

Não foi difícil subir para o cais. E se a adrenalina e ansiedade por chegar terra firme foram a única razão para as forças que consegui encontrar para subir para o cais, não sei onde consegui arranjar forças para retirar o material da água...
Descansei um pouco e olhei para terra. Conseguia distinguir um grupo de pessoas. Não sabia se seria o pessoal do wind'.
Sabia que teria que ir até lá a pé para ir buscar o carro, não esperava que me viessem buscar.
Não é todos os dias que se vê um tipo alto, gadelhudo (tipo ninho de ratos), de lenço vermelho, de fato molhado e arnês ao ombro, pela vila. (Pah… e eu não sei se tenho um bom rabiosque mas, o que é certo é que o raio das espanholas não me largavam do pé...)
Pelo caminho ainda encontrei ex-colegas do antigo trabalho. Não podia ficar muito mais tempo por isso tiveram de ser uns cumprimentos muito apressados. Queria encontrar o pessoal ainda na praia e ouvir o que tinham para dizer. É bom levar nas orelhas enquanto a lição ainda está bem presente na memória.
Não creio que fosse levar nas orelhas. Afinal de contas, pode acontecer a todos, e foi o que aconteceu sim. Fui apenas mais um a ser praxado, digamos assim. Portanto, creio até que se o pode dizer assim – nenhum homem é Homem, ali em Cascais, até passar por uma situação destas.
Enquanto à Explosion, partia do princípio que já a tivessem arrumado por mim, portanto não estava preocupado. Creio que amigos fazem isso.

– Pah, a malta tava-te a ver. A gente ficou muito mais descansada quando te viu a seguir para a marina. É exactamente isso que se deve fazer. Pah, mas tu não podes é sair daqui da frente do pessoal senão não te vemos.
– Tão mas eu tava a tentar fazer aquilo que o Adriano disse, de ir até à Azarujinha e depois um bordo directo para cá...
– Mas o vento levantou pa caraças pah, quando um gajo começa a sentir o vento a levantar e vê que não se aguenta tenta logo voltar para terra. O que é certo é que estás aqui. Isto já aconteceu à malta toda, juntaste-te ao grupo.
– Bem, tenho de ir lá buscar o material a malta já continua a falar.
– Ok, vai lá que é para depois levares já a tua prancha, que a guardei no carro.
- Epah brigadão. Mas vá, então deixa lá ir rapidamente.

Como já tinha preparado o material de modo a pôr tudo no Patinhas o mais rápido possível, pensava conseguir ser rápido o suficiente ao ponto de não pagar o parque mas…

– ... Mas ó amigo, eu fui só buscar o meu material que estava no cais pois foi um último recurso. Você já viu que ainda estou com o fato?...
– Ah mas não sei de nada, tem que pagar...
– Opah mas pagar um euro e meio? Eu só estive aqui dentro quinze minutos...
– Pah, e já vais com sorte. Anda aí muito pessoal que por ficar "lá dentro" mais dois segundos tem que pagar pó resto da vida...

Bem, não tinha nada que reclamar. Tinha mesmo que pagar e "mai nada"... Tinha de voltar rapidamente. Já era noite e tinha de ir ter com o Jorge e o resto da malta.
Quando lá cheguei já tinham ido embora. Era hora de jantar, compreendia perfeitamente que se tivessem ido embora. Estavam descansados pois já tinham estado a falar comigo, sabiam que estava bem. A prancha estava segura com o Jorge. Não a ia vender nem tão pouco fazer-lhe um só risco. Apenas me restava vestir e despedir do mar e do vento que me ensinavam mais uma vez o nada que sou, o nada que somos...
Como que a meditar um pouco sobre tudo isto, sentei-me na areia seca, ainda morna, cozida do sol.
O que me tinha esta experiência ensinado?...
O que mudaria em mim a partir de então?...
Que medos tinha eu enfrentado? E teria ganho algum em troca?...
Estava só… Dizem que quando alguém nos tem no coração não estamos sós. Mas pelo que me dava conta, quem me dava garantias disso?...

Além do burburinho do restaurante, e da música brasileira ao vivo... silêncio era apenas o que conseguia ouvir como resposta.
Entro no Patinhas, ligo o rádio e mais uma vez, por ironia do destino apenas a música, que perseguia desde há algum tempo, a acabar na Antena 3, me fazia sorrir tenuemente, acalmar os sentimentos confusos e um coração magoado... “The veils – The leavers dance”…

Tico

12.06.05
22h30

09.08.05
23h10